A seletividade como diálogo

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Quando comecei a trabalhar com organização eu não sabia ao certo onde isso iria me levar.

Atendendo pessoas diferentes, cada cliente uma demanda, comecei a perceber a necessidade de ter um preparo a mais, pois a organização é uma cirurgia invasiva, depois de feita a pessoa nunca mais se sentira igual e o seu universo particular começara a se configurar de outra forma.

E porque estou dizendo isso, o cliente me liga, me contrata e então eu entro na sua casa e começo a dissecar seu guarda roupa, sua vida e suas memorias.

Enquanto esse processo vai acontecendo, paralelamente o cliente começa a entrar num túnel do tempo, roupas da adolescência, vestido de noiva, roupa que cabia antes de ter filho, chale que foi da bisa, joia que foi da avó, é inevitável entrar em contato com alguma fase da vida e muitas emoções.

Iniciei minha pós em arte terapia em 2018, estou a pouco mais de 6 meses da formatura e nesse curso pude encontrar respostas para muitos dos conflitos que eu sentia dominar meus clientes quando o assunto é desapegar.

A arte pode nos explicar várias coisas e uma dessas coisas são as emoções, não precisamos entender uma obra de arte, basta olhar pra ela e sentir e a partir desse sentimento é possível elaborar racionalmente uma explicação para aquele momento de contemplação.

São muitas as trocas que acontecem nesse grupo de futuros arte terapeutas, são muitos compartilhamentos de livros e exposições, trocamos experiências, vivencias e nesse solo fértil, cheguei a exposição “coleção Imaginaria” de Marcelo Silveira.

Visitei a exposição e a identificação com a organização e arte terapia foi instantânea, vi o dialogo das minhas profissões construídos bem ali na minha frente. E lembrei que até bem pouco tempo atrás isso era um dilema pra mim, pois eu não sabia ainda muito bem como fazer com que essas atividades se conversassem e pudessem se transformar num atendimento para pessoas com desorganização cronica.

Essa exposição discute a diferença entre colecionar e acumular, e do meu ponto de vista é uma linha muito tênue entre uma coisa e outra, e por isso chega a nos confundir.

A organização entra nessa discussão quando é percebido que mais do que aglomerar os objetos, colecionar significa estabelecer um método de seleção e de categorização, esses são apenas dois, dos sete passos que seguimos quando nos propomos a organizar alguma coisa.

Quando todos esses objetos são categorizados, separados e organizados, o colecionar define uma ordem no mundo que espelha a singularidade de sua forma de pensar. Que pode ser observada na obra Só resta o cheiro, onde 4.082 vidros de perfume são organizados por tamanho, cor, por famílias de cheiros ou por qualquer outro critério.

O que importa na coleção de vidros de perfume é o que a diferencia de um amontoado sem sentido.

Ao organizar uma coleção, aprende-se algo sobre o mundo e sobre si mesmo, ao fazer uma produção artística num ateliê de arte terapia também e nesse momento é feita uma grande conexão com a nossa capacidade de se conhecer.

Quando colecionamos mostramos algo ao mundo, nos mostramos pra ele, algo novo, nada familiar nos propondo novos conhecimentos e pensamentos.

É por isso que Marcelo Silveira coleciona madeiras, vidros, papeis e organiza-os em estantes, cristaleiras ou armazéns, onde há o lugar certo para cada item. Seria a coleção uma representação da nossa mente? Ou a nossa capacidade de organizar o caos existencial com recursos mentais?

A exposição é um convite a olhar sobre a beleza da seletividade e do conhecimento de memorias, objetos, valores, amigos, todos escolhidos com cuidados de quem arruma vidros de perfume numa estante.

Se perdermos essa noção de critérios de escolha, não estaríamos também perdendo o pensamento crítico? Nessa atual sociedade de acúmulos, conseguiríamos identificar a singularidade? Se não exercitarmos a liberdade de escolha não estaremos perdendo a capacidade de escolher valores para a construção do mundo que queremos?

É uma linda coreografia feita a partir da organização e da arte, dois caminhos, que se cruzam e se entrelaçam sendo o ponto de partida uma pessoa. Trazemos muita bagagem com a gente, todos temos historias e memorias de toda a sorte. Pensando assim a quantidade de objetos que retratam nossa caminho não precisam ter o volume da nossa experiência.

Exposição Coleção Imaginaria – Marcelo Silveira

Curadoria de Paula Braga

Sesc Santo Amaro

27/04 a 28/06/2019

Ter a sex, 10h 30 – 21h

Sab/ dom e feriado. 11h – 18h

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